terça-feira, 20 de abril de 2010

Grito no vácuo!

Por Carliendell Magalhães


A mecanização das pessoas, dos seres, nunca foi tão notável como hoje. Os devaneios de suas aspirações, de seus sentimentos, opiniões, de sua fala, tornaram-se habituais e de tal forma, converteram-se em normalidade. Tirou-se de nós a sensibilidade de ver nas coisas mais simples o interessante, o valoroso – o mundo torna-se sujeito de nossas vidas, quando deveria ser o contrario. Em “Tempos modernos”, Chaplin já nos alertava do risco que rondava de forma ameaçadora nossa construção de mundo pautada no diálogo, no jogo das idéias, enfim, no debate humanizado.
Hoje entramos no ônibus e se quer o “bom dia” que se encarregaria de desconstruir qualquer aflição que podemos estar sentido, é deferido pelo camarada a receber a cédula que nos credencia à viagem. As filas condicionam uma ordem da qual não sei a origem, mas que por conta de um movimento involuntário acabo por deixar tal questionamento para outra hora, porque o tempo nessa época vale muito, de tal forma, perde-lo tentando encontrar o sentido de uma fila seria inútil. Assim, ler, correr, andar na chuva, ou ainda, conversar com alguém, também é inútil por ser agora, injustificável. Ocupado demais para agir como ser humano, para viver em sociedade, esse é o pretexto.
Pouco importa a mim a fome dos meninos que tem fome, ou a “ignorância” dos analfabetos (talvez os seus votos), o frio das crianças, que mesmo não sendo o mesmo que sinto “entre o chuveiro e a toalha”, nem um pouco me comove. Ando ocupado demais pra isso, tenho que enviar um sms pro big brother e depois disso ainda tenho que me afundar no sofá para degustar minha coca-cola, vida dura essa, ainda querem que eu resolva as crises do mundo. Tenha santa paciência! Depois eu dôo 10,00 R$ pro Criança Esperança e tudo se acerta.
A corrosão do caráter tornou-se notória e indisfarçável, as fugas das normas que acabam por impor essa ordem letal têm data marcada: “to me guardando pra quando o carnaval chegar”. O inaceitável tornou-se cotidiano e é isso. Simples. É chegado o domínio do grotesco sobre o racional, e isso é explicitado pela caixa mágica do entretenimento quando começa a fazer pessoas tornarem-se espécimes em cativeiro, e lucrar muito com isso. O ato de pensar também já foi degenerado há muito tempo porque ele cansa, exige esforço, crítica, tempo, interpretação, sensibilidade. A geração copia e cola não está aqui pra ter esforços, é mais fácil pegar pronto: “estou ligado a cabo a tudo que eles têm pra me oferecer”.
E porque nesse cenário conveniente, ainda existe o fogo da revolta?
Boa pergunta. Talvez não seja confortável pra mim, ter o mesmo ponto de vista do Arnaldo Jabor. Falar de ciência como o Fantástico. Saber tudo como o Google. Talvez isso não seja interessante. Talvez eu gostasse do velho modo de construção do mundo: calcado nas indagações daquilo que nos é imposto como pronto e acabado. “Aí você me responde: - já sei o que aconteceu! A tua coca-cola de acabou e por algum motivo a conveniência da esquina deixou de fornecer coca-cola, e também o mercado mais a frente, e também o supermercado do centro da cidade, ou até mesmo as fabricas tenham fechado, e por isso tu quebrastes a barreira da incapacidade, já que não conseguiste mais encontrar coca pra consumir”.
 Não camarada (infelizmente a coca-cola do mundo não acabou), não foi isso que me aconteceu. Ocorre que eu escolhi dizer não para tudo isso e encontrei pessoas que optaram pela mesma luta, ocorre que nós temos claramente a certeza de que um mundo novo é necessário e lutamos cotidianamente para construí-los, ocorre que nossa natureza nos indica o caminho mais complicado a ser seguido e nós nos enveredamos por ele sem a mínima compreensão do significado da palavra medo. Não tome isso como extraordinário, estamos longe de ser agentes divinos contratados para dar um jeito na humanidade. Somos sim, lasca de suor, entradas de serviço, elevadores de funcionários, portas dos fundos, ônibus lotados. Cansamos de viver sob o julgo das botas dos patrões.
 Já que o mundo não pára para que possamos correr atrás das perdas que nos são impostas, resolvemos assumir o comando e parar o mundo, para que assim possamos dizer a ele: “aquilo que você nos pede não é o que nos dá”.

Quando o extraordinário se torna cotidiano, é a revolução!
Ernesto Guevara


Carliendell Magalhães
Acadêmico de Geografia da UNIFAP
Militante do Campo Contraponto

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