sexta-feira, 15 de abril de 2011

Do baú do blog

Hoje são 16 de abril de 2011, daqui a quatro dias completará um ano que postei, aqui no blog, um texto (“Seria engaçado se não fosse trágico”) sobre transporte coletivo especificamente no trecho Macapá/Santana, mas que dá conta de ilustrar a real situação do transporte coletivo em boa parte das rotas da capital. A decadência e o descaso do e para com o transporte público foi o que me motivou a escrever. Visto que nos chegam aos ouvidos possíveis aumentos tarifários e consciente da atualidade do texto, bem como de que nada durante esse UM ANO foi feito (com excessão da implantação de ônibus adaptados para pessoas com deficiência e dificuldade de locomoção. Algo extremamente importante!) pra mudar a situação do transporte, o CONTRAPONTO reitera o debate sobre essa temática e chama tod@s pra reflexão e ação. Segue o texto:

Seria engraçado se não fosse trágico!

Por Carliendell Magalhães

Dedicado a todos os amigos estudantes,

trabalhadores,jovens, crianças, idosos,

pessoas com deficiência e muitos outros que

utilizam o transporte público,

em especial no trecho Macapá – Santana

No século XIX, uma prática comum utilizada para o transporte de seres humanos julgados inferiores e com o único propósito de servir à escravidão nas colônias de exploração era a utilização de navios, denominados negreiros pelo fato de sua “carga” ser, realmente, pessoas com essa cor de pele. Porém, não sendo esse o foco de minha angústia nesse momento, o que quero evidenciar – além da imbecilidade do racismo – é a péssima condição de sobrevivência durante as longas viagens, que chegavam a durar meses, às quais esses seres humanos eram submetidos sob pena de açoitadas de um chicote, que incrivelmente era manipulado por um ser humano, àqueles que ousassem subverter tal humilhação, isso se o "subversivo" não fosse atirado ao mar com mãos e pés atados antes de chegar ao seu destino final.

Hoje, século XXI, o mesmo drama ainda é sentido também por seres humanos. Agora dotados de novos incrementos aos quais usualmente chamamos de “rodas”, os esquecidos e tenebrosos navios negreiros, estão de volta, ou melhor, nunca foram embora, apenas mudaram de nomenclatura: os chamamos agora de ônibus! Não navegam mais sobre as águas, porém deslizam sobre a morfologia dos centros urbanos, morro abaixo, morro acima. As condições de transporte são as mesmas dos velhos negreiros, mudou apenas uma coisa, agora paga-se (caro!) para ser transportado à colônia de exploração. Afunilando ainda mais minha angústia, quero falar de uma rota particular de navios negreiros, aquela que interliga duas colônias da corte amapaense: Macapá e Santana. Nessa rota tudo pode acontecer! Hoje, dividi o espaço de aproximadamente dois metros quadrados, que compreende da porta dos fundos até a famosa roleta (que tem utilidade parecida com a do chicote, determina quem chega ao destino final e quem é jogado pra fora) com 13 pessoas, algo que é fisicamente impossível, no entanto como eu já havia dito: nessa rota tudo pode acontecer.

Essa é a linha que mais registra pagamento de tarifas mensais e apenas duas empresas tem a permissão de explorá-la: Sião Thur e Viação Macapá, no entanto elas não são concorrentes, uma utiliza a rota no sentido contrário da outra de modo que dois ônibus de empresas diferentes nunca disputarão os mesmo passageiros no mesmo ponto, por exemplo. A grosso modo: uma vai e a outra vem. É interessante também falar dos navios dessas duas esquadras. São todos banheiras velhas –como se diz na linguagem náutica, além de andarem sempre hipertrofiados. Aventurar-se nessa viagem que não é longa como as do século XIX, mas que dá a sensação de ter viajado em um pau-de-arara do Xuí ao Alasca e que isso durou 10 séculos, é uma tarefa muito árdua. Infelizmente, para a grande massa, essa é uma condição imposta!

Os reajustes da tarifa não atrasam, ao contrário dos ônibus. O que é perceptível é que, ainda hoje, poucos lucram muito sobre o sequestro da dignidade de milhares, nada diferente do século XIX.

Apesar de meu desconforto, continuo sendo usuário do transporte público e não vejo isso como algo vergonhoso. O que quero verdadeiramente não é andar num carro do ano, fabricado por uma multinacional que explora a mão de obra barata de um país miserável. O que quero não é muito! O que eu quero, é poder utilizar um serviço bom pelo qual eu não reclamaria de pagar o valor atual, um serviço que fosse direcionado a seres humanos e não a animais com destino ao abate. Um serviço que tornasse obsoleta a necessidade das famosas “lotações”. O que eu quero é não passar metade da minha vida dentro de um ônibus escutando músicas que não correspondem ao meu gosto musical. Não quero ter que fazer curso de contorcionismo para poder andar de ônibus...

O que eu quero é o que muitos leitores desse texto também aspiram, e isso que nos torna companheiros, estamos unidos sofrendo a mesma luta e absolutamente nada nos impede de convergirmos os esforços pela construção da dignidade.

Postado originalmente em 20 de Abril de 2010

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